Meus queridos: imaginem um mundo de
coisas limpas e bonitas, onde a gente não seja obrigado a fugir, fingir ou
mentir, onde a gente não tenha medo nem se sinta confuso (não haverá a palavra
nem a coisa confusão, porque tudo será nítido e claro), onde as pessoas não se
machuquem umas às outras, onde o que a gente é apareça nos olhos, na expressão
do rosto, em todos os movimentos — acrescentem a esse mundo os detalhes que
vocês quiserem (eu me satisfaço com um rio, macieiras carregadas, alguns
plátanos e uma colina — ou coxilha, como se diz aqui no Sul — no horizonte),
depois convidem pessoas azuis para se darem as mãos e fazerem uma grande
concentração para concretizar esse mundo — e, então, quando ele estiver pronto,
novo e reluzente como se tivesse sido envernizado, então nós nos encontraremos
lá e eu não precisarei explicar nada, nem contar nenhuma estória escura, porque
estórias claras estarão acontecendo à nossa volta e nós estaremos sendo aquilo
que somos, sem nenhuma dureza, e o que fomos ficou dependurado em algum armário
embutido, junto com sapatos (quem precisará deles para pisar na grama limpa
dessa terra?)…
(Caio Fernando Abreu)
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