A vida vai nos ensinando o quanto
isso é verdade.
Pais e filhos, irmãos, amigos e amantes podem conviver décadas
a fio, podem ter uma relação intensa, podem se divertir juntos e sofrer juntos,
ter gostos parecidos ou complementares, ser interessantes uns para os outros,
superar grandes conflitos – mas persiste o lado avesso, o atrás da máscara, que
nunca se expõe nem se dissipa.
Nem todos os mal-entendidos, mágoas
e brigas se dão porque somos maus, mas por problemas de comunicação.
Porque até a morte nos conheceremos
pouco, porque não sabemos como agir. Se nem sei direito quem sou, como conhecer
melhor o outro, meu pai, meu filho, meu parceiro, meu amigo – e como agir
direito?
Amor e amizade transitam entre esses
dois "eus" que se relacionam em harmonia e conflito: afeto,
generosidade, atenção, cuidados, desejo de partilhamento ou de vida em comum,
vontade de fazer e ser um bem, e de obter do outro o que para a gente é um bem,
o complicado respeito ao espaço do outro, formam um campo de batalha e uma
ponte.
Pontes podem ser precárias, estradas têm buracos, caminhos escondem
armadilhas inconscientes que preparamos para nossos próprios passos em direção
do outro. O que está mergulhado no inconsciente é nosso maior tesouro e o mais
insidioso perigo.
Relacionar-se é uma aventura, fonte
de alegria e risco de desgosto.
Na relação defrontam-se personalidades,
dialogam neuroses, esgrimem sonhos e reina o desejo de manipular disfarçado de
delicadeza, necessidade ou até carinho.
Difícil? Difícil sem dúvida, mas sem
essa viagem emocional a existência é um deserto sem miragens.
No relacionamento amoroso, familiar
ou amigo acredito que partilhar a vida com alguém que valha a pena é
enriquecê-la; permanecer numa relação desgastada é suicídio emocional, é
desperdício de vida. Entre fixar e romper, o conflito e o medo do erro.
Somos todos pobres humanos, somos
todos frágeis e aflitos, todos precisamos amar e ser amados, mas às vezes laços
inconscientes enredam nossos passos e fecham nosso coração. A balança tem de
ser acionada: prevalecem conflitos ásperos e a hostilidade, ou a ternura e
aqueles conflitos que ajudam a crescer e amar melhor, a se conhecer melhor e
melhor enxergar o outro? O olhar precisa ser atento: mais coisas negativas ou
mais gestos positivos? Mais alegria ou mais sofrimento? Mais esperança ou mais
resignação?
Cabe a cada um de nós decidir, e
isso exige autoexame, avaliação.
Seja como for, com alguma sorte e
boa vontade a alma do outro pode também ser a doce fonte da vida.
(Lya Luft)
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