Tudo aconteceu numa terra distante,
no tempo em que os bichos falavam.
Os urubus, aves por natureza becadas, mas
sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles
haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e
importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e
fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e
teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram
concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em
início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos
chamam de Vossa Excelência.
Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da
hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de
pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para
os sabiás. Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa , e
eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus
concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado
que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o
canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam
cantar, mas cantavam simplesmente.
— Não, assim não pode ser. Cantar sem
a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram
da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...
(Em terra de urubus diplomados não se
houve canto de sabiá.)
(Rubem Alves)
Nenhum comentário:
Postar um comentário