A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer
teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela
fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo,
sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção
de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de
cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem nem finalidade. Todo bom
aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatias funções: lençol de núpcias,
armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas
distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto
labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não
fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio,
entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em
nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
– Não faço teias por instinto.
– Então, faz porquê?
– Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu
pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua
marca, o engenho da sua seda. os pais, após concertação, a mandaram chamar. A
mãe:
– Minha filha, quando é que acentas as patas na parede?
E o pai:
– Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos
enquanto disse:
– Estamos recebendo queixas do aranhal.
– O que é que dizem, mãe?
– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida
aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado.
A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso
encontro.
– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a
aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao
som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a
brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar sua coleção de teias, ele
que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar
da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua
alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela
transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi
convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada., se apresentou no mundo dos
humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
– Faço arte.
– Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que
fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera
um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de
tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que
teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte –
tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que
bichos. Aranhas, ao que parece.
(Mia Couto)
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