Vamos combinar que muitas vezes não há segredo algum, inimigo algum,
interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora além da nossa autosabotagem.
A
gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas a gente estica.
A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se agasalhar, mas a gente
se expõe à friagem.
A gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos
promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse
completamente dessa percepção tão sincera.
A gente lembra os lugares de dor
mais aguda onde já esteve e como foi difícil sair deles, mas, diante de
circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio, em não
se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço. [...]
Que
estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando mais
precisa valorizar as próprias asas. Como conseguimos gostar tanto dos outros e
tão pouco de nós. Eu me perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu
realmente conseguirei aprender, na prática, que o amor começa em casa. Por que,
tantas vezes, quando estou mais perto de mim, mais eu me afasto? Eu me
perguntei se viver precisa, de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente
que complica, e muito.
Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo
tempo que tão fortes?
Somos humanos, é claro, mas ser humano é ser divino
também.
Eu
não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos,
os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso
das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas.
Tudo passa, o que
queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no
espaço desta certeza.
Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé.
A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de
sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus.
E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.
(Ana
Jácomo)
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