(Benzedeiras
de duas cidades paranaenses têm suas atividades reconhecidas por leis
municipais pioneiras no Brasil.)
A cura
por métodos alheios à ciência é vista com ressalvas por médicos.
“A segurança
científica não pode ser deixada de lado”, lembra o oncologista e
vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, Cícero Urban. Ele ressalta que um
tratamento tradicional não pode ser substituído pelo alternativo, proposto por
curandeiros e benzedores. “A medicina não substitui o curandeiro nem o
curandeiro substitui a medicina. Eu não digo para um paciente não procurar uma
benzedeira, mas eu acho que ele precisa tomar cuidado, principalmente se quiser
substituir um tratamento médico”, opina.
Para a
psiquiatra e coordenadora regional no Paraná da Associação Brasileira de
Medicina Psicossomática, Maria Lúcia Maranhão Bezerra, o que preocupa o médico
é o atraso causado na busca pelo tratamento convencional provocado por quem é
adepto de sessões de benzedeiras e curandeiros. “A tendência dos médicos é
respeitar essa atividade, mas esperamos que nenhuma dessas práticas interfira
na possibilidade de tratar o paciente a tempo de recuperar sua saúde”, afirma.
(MGS)
O ato de
curar por meios não tradicionais é visto como um patrimônio imaterial da
cultura brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) – ligado ao Ministério da Cultura. Porém, ainda não há registros
oficiais da atividade no instituto. Conforme a assessoria de imprensa do órgão
existem dois estudos em desenvolvimento para o reconhecimento das benzedeiras,
um no Rio Grande do Norte e outro no Ceará.
No ano
passado, o mapeamento das benzedeiras realizado pelo Movimento Aprendizes da
Sabedoria (Masa), que originou as leis municipais em São João do Triunfo e
Rebouças, conquistou o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, que reconhece iniciativas
de proteção, preservação e divulgação do patrimônio cultural brasileiro. (MGS)
Aos 75 anos, Eva Pinto Rebello não se intimida em limpar a casa, cortar lenha, cuidar da horta de ervas medicinais e ainda atender aos doentes que a procuram. No pequeno altar do quarto de casa, ela acende a vela, pega o rosário e um galho de arruda e começa as orações. O toque de suas mãos enrugadas já ajudou centenas de adultos e crianças nos últimos dez anos, quando começou a atividade de benzedeira.
Assim
como dona Evinha, como é chamada, existem 294 benzedeiras já identificadas no
interior do Paraná.
Vêm das cidades de Rebouças e São João do Triunfo, ambas no
Centro-Sul do estado, as primeiras leis municipais de que se tem registro no
Brasil para o reconhecimento da atividade das benzedeiras.
Na região também foi
criado o Movimento Aprendizes da Sabedoria (Masa). “O movimento serviu como uma
ferramenta para a articulação das benzedeiras, que não se comunicavam entre si
e se sentiam acuadas pelo preconceito contra a atividade”, comenta Taísa
Lewitzki, uma das coordenadoras.
A partir
do mapeamento realizado pelo grupo foram identificadas 133 benzedeiras em
Rebouças e 161 em São João do Triunfo. Em março de 2009, o estudo fundamentou a
elaboração de uma lei na Câmara Municipal de Rebouças para o reconhecimento da
atividade. Em fevereiro de 2012, o mesmo procedimento foi adotado em São João
do Triunfo.
Taísa
lembra que as leis municipais são inéditas no Brasil. “Existem leis semelhantes
que reconhecem a atividade das parteiras, mas, nesses moldes das leis das
benzedeiras, o trabalho é inédito”, acrescenta. Na prática, as leis permitem
que as benzedeiras, rezadeiras, curandeiras e costureiras de rendiduras (dores
musculares) tenham acesso e manipulem ervas medicinais. Elas também podem
contribuir com políticas de saúde pública.
No
quintal da casa de dona Evinha existem, por exemplo, 16 tipos de ervas
medicinais. “Eu dou um ramo para a pessoa que precisa e ensino como fazer o
remédio”, diz. Ela aprendeu o ofício com a mãe e há dez anos pratica o
benzimento.
Há oito
anos na atividade, a curandeira Alice Teixeira descobriu o dom quando impôs as
mãos sobre o peito da filha de 2 anos que sofria de desmaios. “Um clarão entrou
na janela do meu quarto e eu fui chamada a curar as pessoas em forma de
retribuição pela saúde da minha filha”, completa. Ela afirma já ter curado
pessoas com feridas graves e até recuperado quem estava em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI).
Já Marta
Drabeski, que está no ramo há 24 anos e é vereadora em São João do Triunfo, diz
que desde a infância se sentia especial. “Mas eu tinha medo da minha mãe, que
era luterana e não acreditava nas minhas visões.” Ela afirma ter visto aos 11
anos Nossa Senhora das Graças aos pés de sua cama, enquanto passava uns dias na
casa da irmã mais velha. “A partir daí eu soube que tinha que curar as pessoas
que precisavam.”
A
atividade é voluntária, mas a ajuda com alimento ou dinheiro não é negada por
parte das curandeiras. “Quem quer e pode deixa um quilo de alimento”, comenta
Alice, que vive de carpir quintal e colher maçãs. Dona Evinha, que é
pensionista, também não cobra nada pelo serviço, mas aceita de bom grado os
presentes que recebe. Ela mostra o velho guarda-roupas de duas portas cheio de
fronhas e panos de pratos bordados, doados pelos pacientes e que ainda nem
foram usados.
(Jornal
Gazeta do Povo-PR)
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