quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Contando um conto



Antigamente, não havia senão noite e Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o tempo caminhava com uma perna só. 
E tudo era tão lento no infinito firmamento!
Até que, no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa estrela chamava-se sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar.
Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do Universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus.
O que sucedeu, na verdade, é que, com o sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o dia. A noite só se atrevia a aproximar-se quando o sol, cansado, se ia deitar.
Com o dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.
(Mia Couto)

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